O último "top 10" de 2009 !


Todos nós conhecemos várias frases sobre o vinho ditas por filósofos, políticos e várias outras personalidades mas qual é a sua frase particular ou a frase que mais gosta ?

Série Encontros Inusitados: Beethoven


Até onde pesquisei e estudei sobre a história do vinho, especialmente o do Porto que tanto aprecio e admiro, e do pouco que li sobre a vida de Ludwig Von Beethoven, nunca soube que esses dois monstros sagrados da humanidade tenham se cruzado um dia, nem Beethoven compôs uma Sonata para esse vinho, nem o vinho do Porto esquentou o coração do gênio da música. Como nada disso é empecilho para me atrever a criar um encontro inusitado lá fui eu tentar imaginar uma situação pitoresca entre esses dois personagens que tanto aprecio e quase sempre me acompanham quando sento a noite pra papear comigo mesmo.

Há algumas semanas com minha esposa e filhas, fomos a um concerto na sala São Paulo. No programa daquela noite, duas obras de Beethoven, o concerto para piano e orquestra n° 5 Imperador e a Sinfonia n° 5, a famosa Sinfonia do Destino. Nunca imaginei ver e sentir o meu vinho do Porto com tanta vibração, vou tentar explicar: O concerto para piano e orquestra n° 5 em mi bemol maior, o Imperador opus 73, composto em 1809, exige um virtuosismo superior do pianista, que faz grandes variações sobre o tema, e em segundos deve ir de romântico para guerreiro e sem perder o rebolado (ops! A classe). O primeiro movimento, Allegro, é vigoroso como um Porto Ruby, jovem de até três anos, tal qual como nasce um Vintage. Esse Porto é rico em cor, pode ser chamado de retinto ou encarnado, seus segredos constituem-se em ter o álcool bem casado, ou seja, a aguardente harmonizada ao vinho na elaboração do mesmo, bem integrada, não agredindo as narinas na olfação e uma grande explosão de frutas maduras, destacando-se a framboesa. Sua prova é envolvente, a boca fica plena de fruta vigorosa e a permanência desses aromas e sabores à boca é persistente, bem longa.
O mesmo ocorre com esse movimento, cadente, repetitivo, brilhante, sonoro ao extremo, no qual a alma toma o lugar das papilas gustativas, fazendo permanecer, por longo tempo, o compasso na memória.

O segundo movimento é romântico, lírico, um poema de amor. É límpido e envolvente como um Porto Colheita com mais de 50 anos. Tem aromas de uma boa passagem pela madeira e as frutas secas formam sua maior essência. Perfuma o ambiente tal qual essa melodia que até as paredes se calam para ouvi-Ia.

No final um Rondó, Allegro ma non troppo, convida a um bom Porto LBV, do mesmo ano de um grande Vintage, com muita força, raça e plenitude na boca, envolvente, fazendo lembrar um caldo de framboesas bem maduras.

O que dizer da 5° Sinfonia, chamada a do Destino, cuja sonoridade de suas quatro primeiras notas realmente faz criar na mente e na alma a sensação do destino batendo a nossa porta.

O povo português pode e deve orgulhar-se de ser o único entre todos na terra a ter uma identidade líquida, o vinho do Porto, que mais do que vinho é a alma portuguesa na forma líquida.

Só um Porto se compara à 5° Sinfonia de Beethoven, o Vintage. Tão raro quanto esta grande obra, o Vintage é um capricho da Natureza.

Enfim, feliz daquele que pode provar, simultaneamente, essas duas obras mestras do Homus Sapientes, o som de Beethoven e o vinho do Porto.

*Isso é bom !

Série Encontros Inusitados: A saga dos 5 rótulos Parte V

“O marinheiro sueco, um loiro de quase dois metros, entrou no bar, soltou um bafo pesado de álcool na cara de Nacib e apontou com o dedo as garrafas de “Cana de Ilhéus”. Um olhar suplicante, umas palavras em língua impossível. Já cumprira Nacib, na véspera, seu dever de cidadão, servira cachaça de graça aos marinheiros. Passou o dedo indicador no polegar, a perguntar pelo dinheiro.Vasculhou os bolsos o loiro sueco, nem sinal de dinheiro. Mas descobriu um broche engraçado, uma sereia dourada. No balcão colocou a nórdica mãe-d'água, Yemanjá de Estocolmo. Os olhos do árabe fitavam Gabriela a dobrar a esquina por detrás da Igreja. Mirou a sereia, seu rabo de peixe. Assim era a anca de Gabriela. Mulher tão de fogo no mundo não havia, com aquele calor, aquela ternura, aqueles suspiros, aquele langor. Quanto mais dormia com ela, mais tinha vontade. Parecia feita de canto e dança, de sol e luar, era de cravo e canela...”


Mesmo relendo, sempre me surpreendo com os romances de Jorge Amado assim como também me surpreendo com os vinhos feitos no Vale do São Francisco cada vez que provo uma nova safra. Em uma visita rápida ao nordeste brasileiro tive a oportunidade de conhecer parte da nossa nova e mais promissora região produtora de vinhos e também percorrer em 20 minutos os cômodos da casa em que Jorge Amado e Zélia Gattai moraram.

Quando o passeio acabou sentei numa banqueta próxima a casa de Jorge Amado e abri “Gabriela”. Depois de um tempo, fechei o livro e comecei a me imaginar abrindo uma garrafa de vinho na cozinha daquela simpática casa.Pensei na coleção de copos que Jorge Amado tinha diabos e mulheres nuas me fariam cometer a heresia de dispensar a taça. Deixei o livro de lado e procurei o responsável pela manutenção do lugar. "Gostaria de visitar a casa à noite. E sozinho", disse-lhe. "Não é possível. As visitas são guiadas e realizadas em determinados horários", respondeu-me. Algumas regras existem para serem burladas. E eu estava disposto a gastar alguns reais para realizar meu desejo.

Pontualmente, depois da novela das oito, estava diante da casa de Jorge Amado. Maleta à mão, esperei cerca quarenta e cinco minutos, o que na Bahia é praticamente o tempo médio de um preparo “ fast-food” qualquer. Um guarda surgiu do lado de fora, olhou para mim parecendo que me conhecia. Tive a mesma sensação. Aproximou-se lentamente e com um sorriso amigo sussurrou: "É democrata?". Retruquei: " na mais pura acepção da palavra". A senha e a contra-senha compunham a forma com que Jorge Amado se referia a Castro Alves “Um democrata na mais pura acepção da palavra”. Paguei o restante da propina e passei pelo portão. Com lanterna na mão, ele me levou até a entrada da cozinha. "Fique à vontade. Não precisa ter pressa e sair pela rua acordando as estátuas", disse com um sotaque estranho que não parecia nem de longe baiano mas que por algum motivo parecia familiar pra mim.

Velas em dois castiçais criavam uma atmosfera lúgubre. Poética. Retirei de minha maleta o último vinho que restava e aproximei-me da coleção de copos coloridos. Um estrondo. Meu coração disparou. Alguém surgiu de dentro do armário da cozinha. Olhos atentos. Sorriso no rosto. Poesia nos lábios: " Que coisa! Quem diria! Trinta e cinco quilômetros em hora e meia...Antigamente a gente levava dois dias, a cavalo....". Até cair a ficha que eu já havia lido aquele trecho em “Gabriela”, eu já tinha caído sentado na cadeira da cozinha.

Ele apanhou três copos e sentou-se ao meu lado. "Estou acostumado a beber com a Zélia, mas é cachaça, como hoje espero a visita de um amigo seu vinho vai cair muito bem", confidenciou Jorge Amado. Poucos minutos depois, o poeta levantou-se para atender a porta. "Meu grande amigo brasileiro" saudou o visitante com um forte abraço. Era o escritor Pablo Neruda. "Faz tempo que a gente não se encontra” meu conterrâneo questionou o chileno com um sorriso de deboche.

Em algumas férias, Pablo costumava visitar o amigo na Bahia. Mas fazia questão de levar os vinhos de seu país. "São os melhores", repetia toda vez que uma garrafa era aberta durante o almoço ou jantar preparado por Zélia Gattai. Certa vez, Jorge Amado resolveu pregar uma peça no amigo. Comprou vinho brasileiro de garrafão e encheu garrafas com rótulos chilenos. "Quanto você quer apostar que ele nem vai perceber?", perguntou à esposa. Risadas. Na quarta taça, Pablo fez um brinde especial: "Aos vinhos chilenos. Isso sim é que é vinho, no Brasil, vocês deveriam produzir apenas cachaça". Zélia e Jorge se entreolharam e caíram na gargalhada. "O que foi?", indagou o poeta, ressabiado. "Isso é vinho brasileiro... E dos mais ruinzinhos", entregou Jorge. "Então, um brinde aos brasileiros", contornou Pablo, rindo com os dois.

"Você sabia que nós estamos entre os maiores exportadores de vinho do mundo? Já ouviu falar dos Chatôs Chilenos?". "Não, mas vamos descobrir depois de tomarmos o vinho que nosso amigo trouxe do Vale do São Francisco", respondeu Jorge. A garrafa se foi praticamente em um piscar de olhos quando, então, o poeta abriu um armário e retirou os mais prestigiados vinhos do Chile. Na sexta garrafa, Jorge cometeu a ousadia de interromper Pablo enquanto ele divagava sobre os mistérios do mar. "Esse negócio de Chatôs Chilenos não está com nada", disse, fitando a ilustração da mulher nua em seu copo. "Por que não?", indagou o poeta, surpreso. "Já ouviu falar dos Castelinhos vermelhos aqui do Brasil? ", indagou Jorge. Sorriso maroto. Pablo riu e improvisou uma poesia. Era a melhor descrição de uma mulher que eu jamais ouvira. "Você está falando da minha Gabriela", brincou o baiano, colocando sua garrafa de cachaça sobre a mesa. E emendou: "Agora vamos tomar do meu Chatô". Todos nós caimos na gargalhada. "Um brinde às brasileiras", adiantou-se Pablo, elevando o copo com a mais pura “Cana de Ilhéus”..

Série Encontros Inusitados: A saga dos 5 rótulos Parte IV

Não gosto e não concordo com boa parte do sistema democrático de governo, mas a democracia ainda é o melhor modelo que conheço. Enquanto filósofos e estudiosos do nosso tempo não encontrarem outro sistema, devemos ficar sujeitos às coisas boas e ruins da democracia como, por exemplo, políticos. Uma categoria que nada parece aplacar a sua sede de poder.

Apenas um adjetivo identifica todos eles como membros de um mesmo espécime, independente de época, partido político ou país revelando o nome do mestre: maquiavélico. Teria sido Nicolau Maquiavel um homem tão terrível? Ao me aproximar de seu túmulo, na Santa Croce, eu já havia bebido com Dante, Michelangelo e Galileu. Para cada um deles, um estilo de vinho. Com o autor de A Divina Comédia, um Amarone feito por seus descendentes. Um honesto Brunello tinha revelado o gosto questionável de um dos artistas mais sensíveis do renascimento e um Chianti Classico levado luz aos olhos do pai da Física.

Para Maquiavel, reservei um super-toscano. A introdução de uvas estrangeiras em um corte italiano denunciava que alguns produtores fizeram alianças com o inimigo para cativar o gosto dos enófilos, mesmo que o preço tenha sido uma punhalada na tradição. Ou seja, praticaram as lições de O Príncipe, obra-prima de Maquiavel, escrita em 1513.

Apanhei o livro e me preparei para dar os passos finais, que me colocariam face a face com o pai da Política moderna. De repente, a luz do meu candelabro se apagou. Uma voz agonizante cortou o silêncio seguido por milhares de gritos, lamentos, gemidos. Acendi novamente a chama e olhei para a urna funerária de Maquiavel. Um homem, sentado sobre ela, estava concentrado mostrando a sisudez de sua face. Era Adolf Hitler. Desarrolhei um "Ornellaia" e servi apenas minha taça. Vinho é uma bebida que exige companhia, mas, em certos casos, deve prevalecer o ditado: "Antes só do que mal acompanhado". Quando me viu empunhando a taça, o abstêmio mais cruel que a humanidade jamais conheceu ergueu-se e ameaçou um discurso, mas desapareceu na escuridão como exorcizado ao ver o vinho refletir a luz. Sorri com a ironia: A personificação da maldade derrotada por uma taça de vinho.

O túmulo era ornamentado por uma escultura de mulher. Nas mãos de pedra, um perfil de Maquiavel. Como seu vizinho na basílica, o poeta Dante, o primeiro grande pensador da era moderna também tinha sido exilado por razões políticas. Enquanto degustava o primeiro gole, abri aleatoriamente o livro e li a citação: "É melhor ser temido que amado". Observei calmamente um homem sair do esquife- já havia bebido muitas taças de vinho -. "Obrigado, você me libertou. Desde que cheguei aqui, um maluco bloqueava minha saída, ora em silêncio, ora proferindo discursos inflamados. Este último era um dos piores", desabafou. Servi-lhe uma taça do "Ornellaia". "É um belo vinho, mas não tem o gosto da minha terra. Isso me lembra o exílio. Apesar da distância, os aromas e os sabores de alguns vinhos me traziam de volta para cá", revelou.

Nicolau narrou episódios saborosos da história. Eu não conhecia a maioria e desejei não ter bebido tanto. Mas, em sua voz, os personagens desfilavam diante de nossos olhos. "Vamos percorrer a cidade", convidou-me. Deixamos Santa Croce. Ao passarmos diante da Galleria degli Uffizi, os homens mais ilustres da cidade deixaram os postos de estátuas ornamentais e aproximaram-se de Maquiavel. Antes de cumprimentá-los, ele me disse: "Nada faz o homem morrer tão contente quanto o recordar-se de que nunca ofendeu ninguém, mas, antes, beneficiou a todos". Contrariando o próprio conselho, Nicolau tinha se tornado um dos homens mais amados da Itália.

O passeio havia acabado.

Na manhã seguinte, estava a caminho da estação de trem, quando pessoas apressadas, em trajes estranhos, passaram por mim. Uma delas se deteve e me olhou, assustada. "Onde você está indo?", questionou. "Bahia", respondi rispidamente, diante da insolência. "Justo agora! Savonarola será queimado na praça", justificou correndo para alcançar o grupo.

Continuei meu caminho, não desejava presenciar o reformador dominicano arder na "fogueira das vaidades", criada por ele mesmo. Eu levava na bagagem o melhor da Itália e de volta, “Gabriela” e um vinho produzido no Vale do São Francisco que não ousei abrir por não estar na temperatura correta o que me tornaria, no mínimo, maquiavélico.

Vale a pena experimentar