A vinganca do sommelier

Fim de outono, uma nevoa cobre a estrada.

São 06:30 da manha e parto para meu novo trabalho em um escritório sujo e barulhento no centro velho de São Paulo convencido que seria mais dia perdido entre noticias on-line e papos furados via chat com os amigos. Meu nome e’ Ananias Casagrande, sou detetive.

Depois de uma boa media com pão com manteiga subia ao meu escritório . Eu estava ouvindo o ronco da minha secretária na sala ao lado quando o telefone tocou. Em uma jogada rápida e tática, ela continuou dormindo, então eu mesmo atendi ao telefone. Não se acorda quem tem pernas de Scarlett Johansson

"Casagrande, pois nao".

"Ei, Casa," a voz na outra linha disse. Era J. Valeduga, um velho amigo e tenente da divisão de homicídios. "Como vão as coisas?"

"Não pergunte", resmunguei.

"Eu tenho um caso e acho que você vai se interessar", disse Valeduga. "Você sabe onde fica o Bistro Café ?"

"Claro".

"Desce imediatamente", disse ele. "Você me deve uma."

"Sem honorario, voce quer dizer."

Bistro Café foi uma articulação supostamente elegante de uma das lojas mais luxuosas da America Latina . Eu tinha participado de algumas degustações e comido uma coxinha de quase R$10,00 que me fez mau . Assim que passo pelos policiais encontro Valeduga me apontando um corpo já’ rígido no meio do salão.

"Crítico de comida ou comeu a coxinha daqui? " Eu perguntei.

"Esse foi meu primeiro pensamento também, mas não", disse Valeduga. "Ele é um homem de negócios de Porto Alegre."

"Pobre coitado", eu disse enquanto olhava ao redor do salão até que algo chamou minha atenção. Ou alguém. Ela era uma loira elegante que tinha pernas que demoravam a chegar ate o até o piso, logo ao lado um rack de tacas Riedels que foram os maiores que eu já vi – as pernas e as tacas. "Estes são Schott Zwiesel e não Riedel , bobo", disse ela. "É um erro comum."

"Casa!" Valeduga grita.

Quando me viro vejo uma silhueta conhecida correndo para fora do salão em direção ao porão . Botelho, um sommelier famoso, mas que nunca nos topamos. Ele sempre foi como uma garrafa de champanhe que havia sido agitada e pronta para explodir.

"Fique ai, nem se mexa Casagrande!" Eu ouvi através da luz escura.

Novamente algo passou por minha cabeça. Ele tinha jogado um Tastevin com bordas afiadas como uma estrela ninja, que havia cortado as garrafas. Começou a derramar o vinho da casa.

"O que foi isso?" Valeduga disse. "Quebrou alguma coisa?"

"Sim", eu disse, inclinando-se para saborear o vinho. "Eu acho que é um Bordeaux".

"Margem Esquerda ou direita?" .

"Margem Direita, eu acho."

"Querido Deus", gritou ele, "não o Cheval-Blanc, a policia não tem como pagar isso".

"É difícil dizer, mas precisamos conversar" eu disse, calmamente.

"Por que?" disse ele. "Já temos um morto e aquele sommelier maluco escapou."

"Mas por que o empresário e por que aqui?"

"Casa, o que eu sei e’ que ele pediu um Merlot com ...", balbuciou. "Eu mal posso dizê-lo ... Merlot com robalo!"

"Bem," disse eu, tentando fazer piada. "Que tipo de molho?"

"Robalo pelo amor de Deus! Que tipo de besta pede isso com Merlo ?". Indignado Botelho, o sommelier reaparece na cena do crime.

"Você matou um homem por isso?" Eu perguntei.

"Não, não, não", disse ele, e depois ficou estranhamente quieto por um momento. "Essa foi apenas a última gota. O proprietário comprou todos estes vinhos para os clientes realmente especiais e ontem veio esse sujeito querendo desfrutar algo da nova lista de vinhos da casa . Minha lista de vinho!"

De repente, por trás de mim, Valeduga gritou: "Há um cliente aqui que quer uma garrafa de Grüner Veltliner. Precisamos de sua ajuda."

"Pois bem, boa tentativa," Botelho latiu. "Que tipo de burro acha que sou ?"

"Botelho", eu disse calmamente, "toma um fôlego e relaxa."

"Relaxa? E quanto a todos estes moleques mauricinhos e patricinhas que entram no restaurante e Twitta seus amigos para pedir recomendações de vinho?" ele perguntou, cuspindo as palavras. "Como posso competir com isso? Quem precisa mais de mim? Talvez eu estaria melhor se a polícia me prendesse."

"Você sabe, eu disse, puxando as minhas palavras para o efeito dramático," Talvez você esteja certo. Pense em todo o tempo que você terá em suas mãos, tempo para si mesmo e para ficar longe de toda essa pressão. Pode estudar e se preparar para o Master Sommelier. Te empresto as apostilas da ABS ".

"Eu já sou mestre, Casagrande ", disse ele numa voz irritada.

"Bem, então o seu Master of Wine."

Ele ficou em silêncio por mais tempo. "Talvez", disse ele. "Ou eu poderia simplesmente mudar de carreira. Eu poderia ir para informatica, começar meu próprio negocio. Eu sempre tive de olho em telecomunicações.

"Lá vai você", eu disse.

"OK", Botelho disse: "Eu estou pronto para ir senhores."

Apertei a mão dele e a polícia levou-o embora.

"Salve Casa", disse Valeduga. "Agora estamos quites."

"Por enquanto", disse eu, piscando . A loira ao lado da Schott Zwiesels estava procurando agora algo na sessão de espumantes, então eu pensei que eu poderia sugerir um Pinot Noir ou algo que me fizesse parecer um James Bond. Voltei para o escritório.

Pensei em contar o caso a minha secretaria colocando algum tempero “ noir”,mas eu não quis acordá-la.

Novas diretrizes em tempos de crise

Parafraseando uma das melhores pecas de teatro que assisti, quero comecar minhas promessas de ano novo. Pode parecer um pouco tarde mas so agora estou conseguindo colocar o figado pra aquecer.

Como primeira coisa vou beber mais junto com os amigos em mais almoços de família e bem menos em entidades organizadoras de degustacoes.

Por sempre ter morado em lugares quentes, isso quer dizer Brasil, sempre deixei um pouco os tintos de lado para apreciar vinhos brancos e espumantes. Vou fazer isso com mais frequencia ainda optando por vinhos mais leves, em respeito ao fígado.

Meus preferidos continuarao a ser os vinhos de bom custo benefício, para consumo no dia a dia. No entando vou deixar de apreciar os Grands Crus Classés, apenas vou dar preferencia a eles quando encontrar um amigo rico que pague por isso.

Pretendo continuar não me apegando a rótulos e tentando nao bancar o cara que vai cheirar, depois chacoalhar no ar para sair a alma do vinho. Mesmo porque eu não acredito em alma, quanto mais em vinho.

Tirando alguns bons amigos que nao bebem, vou continuar a servir vinho nos meus almocos, cafes da tarde e para aquelas visitas de domingo no fim do dia com o intuito de usufruir uma das grandes funções do vinho, mas pouco divulgada: a de mandar a visita embora.

Você dá vinho para a pessoa, ela fica com sono e se manda.

Antioxidantes

Não me pergunte o que é, mas acho que serve para desenferrujar. Li que combatem os radicais livres. Eu também odeio radicalismos. Morte aos radicais!

Antioxidante virou moda. Uma hora é o vinho que é bom, outra hora é o café, dependendo do jabá pago pelos fabricantes aos jornais, ou do lobby nos laboratórios de pesquisa. Ontem na TV disseram que adoçantes artificiais engordam. Quase pude ver o doce sorriso dos usineiros.

Mas antioxidante deve funcionar mesmo, pois faz tempo que não vejo uma ruiva. E a lista não pára no vinho ou café. Têm o chá verde, que saiu do esquecimento do armário, e seu irmão mais novo, o chá branco, que ainda não experimentei.

Faz tempo que os laboratórios farmacêuticos perceberam a importância do nome. Por exemplo, descobri que o Ômega-3 que tomo agora eu já tomava na infância, quando minha mãe me fazia engolir colheradas de "Óleo de Fígado de Bacalhau" ou "Emulsão Scott". Eu tomava a contragosto, só porque ela dizia que eu ficaria forte como o homem do rótulo, que carregava um bacalhau nas costas. Mas se chamasse Ômega-3 eu teria tomado com prazer. Que garoto não iria querer tomar um troço com nome de espaçonave?

Vale a pena experimentar