Degustacao cega

Já era tarde quando toquei a campainha na propriedade de Carraro. Era como um daquelas mansões italianas, pós-bom-gosto ou qualquer outra coisa dita de bom gosto que apenas um maço de dinheiro poderia comprar.

"Senhor Casagrande, graças a Deus, por favor depressa por aqui", disse Amanda Carraro. Ela era a esposa de Elidio Carraro o segundo ou talvez terceiro herdeiro de um império construído pelo avo com a invenção de um aparador de pêlos do nariz movido a pilha. Recentemente a família moveu parte de sua fortuna para o sul do Brasil e divisa com Uruguai para produção de vinhos.

Alta e elegante, ela deslizou por todo o piso de mármore, como uma patinadora confiante em um resultado perfeito.

Admirando sua forma, eu a segui para a sala de jantar. Feito em mármore e mogno, tinha espaço suficiente para minha para um baile de formatura.. Em algum lugar perto do centro, os convidados foram resmungando em grupos em torno de uma mesa grande que estava cheia de copos de vinho e garrafas embaladas em sacos marrons.

Foi exatamente como eu esperava: uma degustação as cegas não tinha dado certo. No meu trabalho, eu vi isso muitas vezes. Os Carraros estavam tentando impressionar alguns novos amigos com uma degustação de seus Merlots primo, ou primeira colheita, mas algo deu terrivelmente errado.

Apenas uma garrafa estava coberta: Quero-quero Merlot. Eu identifiquei um aroma.. "São todos da safra de 1995," Amanda Carraro disse.

"Um ano sublime no Rio Grande do Sul", acrescentou um convidado, um rapaz jovem cujos óculos eram retângulos estreitos que faziam seus olhos parecer dois hífens. "Se eu tivesse comprado mais e guardado no porão faria foruna."

Um barulho estridente veio da cozinha.

A cozinha era uma catástrofe em uma escala que só um chinês ganancioso poderia ignorar. As mesas e suportes de panela foram derrubadas, tachos e talheres estavam espalhados. Uma mulher em um vestido branco, armada com uma escumadeira de grande porte, se encolheu atrás da geladeira. Do outro lado da cozinha, um homem bem vestido estava mergulhando a cabeça de outro sujeito dentro e fora de uma panela cheia de um caldo grosso impossível de identificar.

"Não!" a mulher gritou: "Eu tenho trabalhado neste cordeiro a tarde toda!"

"Sim, e eu sou ...", balbuciou o homem que estava sendo afogado na papa e depois ressurgindo outra vez, "... um vegetariano!"

Eu empurrei os dois, separand-os. O homem descontrolado que estava afogando o convidado acabou por ser Elidio Carraro e sua raiva se transformou em medo. "Você é da polícia?" ele perguntou.

"Não, eu sou Casagrande, Ananias Casagrande - detetive"

"Casagrande", ele disse com alívio, "A última coisa que quero ‘e fazer desse fiasco algo publico , mas este homem tem me enganado."

Uma vez que o caldo foi limpo do rosto do homem em questão, eu o reconheci: Jose Mistraulio, um corretor de vinho famoso .

"Oi Casa, obrigado por me salvar", disse Mistraulio. "Esse cara é louco."

"Louco ? Pois bem, siga-me", disse Elidio Carraro nos levando de volta a sala de jantar.

"Isso", disse ele, pegando a garrafa, "não é Quero-Quero Merlot!"

A garrafa parecia verdadeira, eu disse.

"Não pode ser", Carraro continuou: "Eu avaliei as adegas e comércios que vendem os meus vinhos. Eu pago R$6,00 de imposto por garrafa de vinho produzida e esse bastardo vende a R$500,00 a garrafa para mim."

Ele começou a rasgar os sacos que cobriam as garrafas e entregou-me um copo. Foi um inferno de seleção de vinhos, tinha ate chapinha .

"Prove você mesmo Casa", exigiu, derramando um dos vinhos em meu copo. "Isso tem gosto de Merlot para você? Do meu Merlot 1995?"

Eu hesitei por um momento, olhei ao redor da sala, rodei o copo, cheirei.

"Oh, pelo amor de Deus, só o aroma dele já revela ", Gritou Elidio

A cor e o aroma estavam todas erradas. Não tinha nada de 1995. Cuspi. Foi suculento e simples, mas com certeza não foi o Merlot de 1995. Olhei mais de perto a garrafa e uma unha tinha claramente descascado o rótulo. Embaixo era um argentino de 2005.

Elidio Carraro em um ataque de raiva rasgou as etiquetas de cada uma das garrafas para revelar uma série de marcas baratas e todas argentinas.: "Eu paguei uma fortuna por esses vinhos para comparar com o meu Merlot Quero-Quero", disse a Elidio

Mistraulio correu de volta para a cozinha com Elidio no encalço. Um trovão de panelas ecoou pela casa inteira enquanto eu caminhava até o telefone. "Olá", eu disse para o atendente da policia, "você pode me ligar para J.Valeduga no homicídio? Acho que vou precisar dele."

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