O Milagre

Um milagre dos mais simples, para quem mais tarde iria curar doenças das mais insidiosas, caminharia sobre as águas e ressucitaria mortos, este ficou marcado em nossas mentes por ter sido o primeiro milagre de Jesus e também pela simbologia em volta do vinho.

Interpelado por sua mãe que havia dito que o vinho tinha acabado, Jesus mandou encher com água seis talhas de pedra, em cada qual cabendo dois ou três almudes e transformou a água em vinho.

O vinho era tão bom que o arquitriclino, termo grego que significa Mestre de Cerimônias, foi até o noivo e disse: "Todo mundo serve antes o vinho bom e quando os convidados já tiverem bebido bastante, serve o inferior, mas tu guardaste o melhor vinho para o fim " .

Bem se vê, responde o noivo, que você não fez o curso da ABA (Associação Brasileira de Arquitriclinos) senão saberia que o vinho deve ser servido do pior para o melhor.

Mas na mesa onde estavam Jesus e seus discípulos, a celeuma provocada pelo milagre era bem maior.

Neste banquete temos tanto peixe quanto carne, indagou Simão, então diga-nos Senhor, qual vinho foi feito. Branco ou Tinto?

Eu não fiz o vinho, meu bom Simão. Eu apenas servi água, o vinho foi feito na cabeça de cada um. Assim, para quem comia carne, o vinho fez-se tinto, para quem preferiu o peixe, o vinho fez-se branco.

Quer dizer Senhor, perguntou André, que o perfume de figo que eu senti no vinho não foi real ?

Claro que foi real, André! Sua mente criou, você sentiu.

Senhor, continuou André, apesar de haver realizado seu primeiro milagre, achei-o distante, apático, alheio até aos agradecimentos do noivo, algo lhe aborrece ?

Meus amigos, minha vida será marcada pelo vinho, desde o milagre de hoje até a ultima ceia e por isto meu sangue sempre será representado por esta bebida. Na Santa Ceia estarei com uma taça na mãos, em outros quadros denominados Prensas Místicas, estarei na própria cruz, pisando as uvas, meu sangue gotejante misturando-se ao mosto das uvas. Estarei no nome dos vinhos: Lacryma Christi, Vino Santo, Château le Filles du Calvaire e até mesmo, Messias. Esta identificação me deixa apreensivo, porque se o vinho, em sua dualidade, é a bebida da elevação do espírito, o álcool é o componente da violência e do pecado. Mas tudo isso eu toleraria porque a contradição e a exploração comercial do ícones faz parte da natureza humana e o Senhor deve receber com tranquilidade as fraquezas humanas que ele mesmo criou.

O que é, entretanto insuportável, razão da minha ira e causa do meu mau humor é que vão usar a imagem na minha Mãe no rótulo do Liebfraumilch garrafa Azul !

Um clássico de 118 anos


Sempre me perguntam se um vinho muito antigo ainda está vivo ou pronto. É uma resposta difícil pois depende de inúmeros fatores e variaveis mas com certeza um do itens que dará mais "sabor" ao vinho é toda a história que ele acumulou. Na Itália degustaram um vinho de 118 anos de idade e resolvi não traduzir ou escrever sobre isso sob pena de um castigo de Baco (ou dos colegas de degustação) mas aqui vai o link: http://www.winenews.it/laprima/laprima_n115_19-06-2009.pdf

Agora, nós aqui do outro lado do oceano, como saber e o vinho esta realmente bom ? - Elementar meu caro leitor (O único espaço que posso usar essa expressão é aqui, viva a liberdade virtual). Através da observação podemos deduzir muitas coisas, a começar pela cor do vinho que a foto mostra e outros detalhes que vou na próxima semana publicar através do primeiro curso on-line gratuito de vinho. Os podcasts iniciais estão prontos, 3 personalidades do mundo do vinho já concederam entrevistas.

Tudo isso para podermos, ao lado das pequenas estórias e anedotas ao redor do mundo do vinho, compartilhar bons momentos. Nem que seja virtualmente como vimos esse Brunello.

Nova série: Sic Transit Glória

Estou desempregado ou ,como dizem as pessoas da minha área: Estou no momento sem projetos a procura de novos desafios para evoluir pessoal e profissionalmente. No meu caso decidi aceitar apresentar degustações que anteriormente havia recusado por "questões de agenda". Uma delas ocorreu neste final de semana fora do estado, em Camboriu.

Cheguei ao clube, a recepcionista me desejou boas vindas e completou: O senhor pode deixar sua roupa naquele cabide.

- As maletas só tem fichas, vou voltar hoje mesmo, roupa só tenha a do corpo.

- São estas mesmo senhor, pode deixa-las no cabide.

Estava no clube de Nudismo da Praia do Pinho. Insisti que era só o palestrante e não precisaria tirar a roupa, mas ela pegou o contrato e informou que eu concordara em cumprir os regulamentos do clube e , taxativa, mostrou o valor da multa.

Sofrendo de uma timidez doentia, não mostro meu soldadinho, exceto para minha mulher e medicos, aleguei que ia precisar da ajuda de um psicólogo. A moça disse pra deixar de besteira, ninguem precisa de ajuda pra tirar a roupa depois dos quatro anos de idade. E se vier uma ereção ? - insisti. Ela contrapôs que ninguém tem ereção em colônia de nudismo. Tira, insistiu. Não tiro! Ou tira ou paga multa. Tirei.

Corri para o quarto, a mala atrás e as fichas de degustação na frente.

Sentei na cama. Tenho certeza que vão cair na gargalhada. Pior se vaiarem. Olhei para a ficha dos vinhos, azar, um deles era o Quinta da Pelada, vão pensar que estou debochando. Graças a Deus eu não trouxe o Porto do Manoel Pintão, nem o Periquita.

É melhor ensaiar até me acostumar.

Diante do espelho, nu, vou iniciando o ritual padrão. O nome das uvas, os fundamentos básicos: a cor, limpidez, aromas (Vou excluir "carvalho" porque vai que dá um ato falho...), a boca, persistência, retro-olfato (Vou excluir o retro-olfato tambem, porque se já me atrapalhei no ensaio imagine na hora, com toda aquela tesão, digo, tensão...).

Depois, vinho na taça, mostrar a cor, de topo, deitada, menisco. Agora os aromas, primeiro a taça fixa, depois aquela balançadinha...PÁRA!

Coriólis! Vvetor Coriólis! Quando uma massa gira num sentido, as outras partes tendem a girar em sentido oposto. Foi quando a rotação da Terra fez os candelabros da igreja girarem que o Galileu descobriu a lei do pêndulo e provou que a terra girava - No orçamento de corte lembrar de manter o Discovery Channel - Por isso quando eu girar a taça para um lado, o pêndulo vai girar para o outro. Sem chances, não tem jeito..vou ter que cortar.

Abri as garrafas para oxigenar e por segurança tomei o Quinta da Pelada inteiro, pois como se sabe o álcool excita a imaginação mas anula a performance.

A caminho da arena, fui pensando nos broxantes-padrão: Enterro dos pais, aula de Moral e Cívica na faculdade sábado pela manhã, filme pornô gay, vestir meia com o pé molhado, Galvão Bueno...

Entro na sala, o apresentador anunciou a presença do "Enófilo do Blog", a plateia aplaude e a ruivinha do canto sorri fazendo charme (Fila do seguro-desemprego, Torres de Nova York, Titanic, Madre Tereza de Calcutá de Biquini...)Sinto que estou perdendo, a ruivinha de olhos verdes, deu uma piscadinha. Vou radicalizar: tiro os óculos.

Inicio o curso e vou levando mas quando chega nos aromas um cara interrompe: Não vai mexer as taças ? Digo que não precisa, vinho não oxigena, é lenda, superstição. O cara de pau dá um sorriso cínico e insiste: Está no programa, faz parte do contrato, tem que rodar na taça. Lógico que o sacana já vira o vetor Coriólis funcionando e estava me encurralando, verbo mais expressivo quando você está nu e de costas para a parede.

Começo a rezar, - quem será o padroeiro dos que estão nus, Lady Godiva ? - e daí, como um raio de luz, a Lady me remete à Lei de Newton, Lex Moto Tertia: " A toda ação, corresponde uma reação igual e contrária". Pego duas taças, uma em cada mão e giro simultaneamente, uma no sentido horário e outra no sentido anti-horário. Os momentos se anulam, e o pêndulo fica lá, quietinho, mais vertical que nunca.

A platéia explode em ovação, neste caso duplamente merecido, as pessoas levantam, fazem olas e a ruivinha grita entusiasmada: Gênio, gênio!

E daí, eu me perdi. Não sei se foi a embreaguez do sucesso, do vinho, ou a ruivinha, mas que veio, veio. Em pânico, simulo um tropeção e derramo não apenas as duas taças, como o balde de gelo todo sobre o corpo. O efeito do gelo é fulminante e até entendi porque esquimós são uma raça a caminho da extinção.

Volto pra casa e começo a contar a aventura para minha esposa, ela dá um grito e começa a fazer as malas.

- O que é isso minha preta, a culpa não foi minha, você está me deixando?

- Claro que não, estou fazendo as malas para irmos ao clube de nudismo.

- Você vai virar nudista?

- Claro que não, mas é que você disse que quase teve uma ereção.

Vinho para Namorar

Uma leitora do Blog enviou um e-mail perguntando qual o melhor vinho para ser tomado a dois.

Para namorar indico um vinho com aroma lático que lembra namoro e isto pede vinhos brancos. Para dar de presente pode até dar um tinto, mas apenas para dar, escolha um branco passional para ser tomado.

Champagne é por tradição o vinho da sedução. Durante o ano você pode namorar ao som de um espumante nacional, um Prosecco ou até mesmo um Asti pra rimar com a doçura do amor, mas para um dia especial como o dia dos namorados por exemplo, acho melhor oferecer um Champagne e pra escapar do lugar comum vá em busca dos Champagnes que causam arrepio como o Bollinger ou preferido por mim e por Winston Churchill, o famoso Pol Roger.

Um outro vinho interessante pra embalar um namoro é um Moscato D´Asti que é um frizante Italiano rápido, adocicado e diferente do espumante Asti, pois é mais elegante, fino e envolvente, meio caminho andado para a sedução. O Moscato d´Asti Moncalvina por exemplo deveria ser vendido com cláusula de garantia de sucesso.

O Gewurztraminer é um exemplo da genialidade francesa que substituiu o açúcar pelo ácido lático, transformando o vinho alemão de festa de casamento em um prazer sensual.

Os aromas do Sauvignon Blanc da Nova Zelandia remetem ao maracujá, que por um acaso tambem é chamado de fruta da paixão.

Agora, minha cara leitora, se seu namorado insistir em tomar um tinto porque está frio, não troque de vinho, troque de namorado ou trate de ir incluindo um lençol elétrico no enxoval. Depois de casados ele vai reclamar que você tem pés frios.

Feliz dia dos namorados.

Série Encontros Inusitados: A morte

Do nada, um sujeito sentado à minha frente: "Sou a Morte, vim te buscar, vamos embora que meu dia está cheio".

"Deve ter algum engano, tomo duas taças de vinho por dia, confesso que passo de duas taças vez ou outra, mas não muito. Pratico esporte, como chocolate no minímo 70% cacau. Não posso morrer, logo agora que consegui comprar um Vega Sicília. Volte um outro dia, não precisa ter pressa".

"Meu querido você acha que eu, a Morte, sou igual a promessa de campanha política que dá pra ir adiando?"

Pedi pelo menos que abríssemos a garrafa do Vega Sicília. A Morte se interessou e perguntou a safra.

Fiz a proposta de tomarmos com outros vinhos, às cegas. A Morte hesitou: "Não sei ...esse negócio de vinho quem entende é o Filho, até saiu na Santa Ceia".

Insisti que eram 5 taças e a Morte aceitou. Claro que não disse a ela que eram 5 taças do estilo Grand Cru, aquelas grandonas...mas isso era detalhe.

Peguei os 5 vinhos e enchi as 5 taças enormes.

Pra esquentar o jogo, propus uma aposta, cada vinho que a Morte acertasse eu pagaria com uma garrafa da minha adega e cada erro me daria um mês a mais de vida.

A Morte bebeu o primeiro vinho, bochechou, bebeu a taça inteira e disse categoricamente: è o Mvndus. Era um porto LBV da Taylors que aliás está pela hora da morte.

Na segunda taça, que tomou de um gole só, garantiu com a lingua começando a enrolar que era um Cabernet Franc. Era um espumante brut, mais um ponto pra mim.

Na terceira disse que era um Catena. Perguntei se era um Catena Argentino ou de exportação, e como isto só Deus e Nícolas Catena sabem, perdeu outra.

Na quarta taça disse que era um Châteauneuf de Pape mas era um Casillero Del Diablo, e foi perto já que ambos são do mesmo ramo.

Servi a quinta e última taça quando a Morte replicou: "Proponho o dobro ou nada" Topei apertando sua mão, gelada e magra, pra selarmos o acordo. Não satisfeito, a Morte subiu na cadeira, botou o pé na mesa e gritou com um sotaque caipira: "Truco papudo! Agora te peguei porque como até agora você não serviu o Vega Sicília, só pode ser ele" .

"Olha aqui, você chega sem mais nem menos, feio como o Bin Laden dizendo que é a Morte e acha que eu vou te servir um Vega Sicília? Nem morto".

Ganhei dois anos de vida e a Morte, desolada, foi embora.

Minutos depois escutei um barulho de batida, olhei pela janela e vi que um Fusca acabara com uma Mercedes. Desci até a rua e vi a Morte, algemada, fazendo o teste do bafômetro. Pediu cem reais emprestados pra pagar a fiança mas devido as circuntâncias do momento teve que me conceder mais um ano de vida.

Não sei se era a Morte mesmo ou um maluco mas com certeza não só era uma negação em vinho, como era tambem muito fraco pra bebida.

Nova proposta linguistica para a degustação de vinhos

A uva e a terra são a base de tudo, mas hoje temos a tecnologia. Quem vai as degustações sempre ouve os jargões do tipo "Foi um bom ano...", "Foi um mau ano...".

Com a tecnologia não temos mais mau ano; iguais a nós, os vinhos nascem e crescem seguindo mais ou menos as mesmas técnicas, mas detalhes mínimos no terroir resultam em detalhes enormes nos vinhos propriamente ditos. Para estes detalhes não exite tecnologia.

Os vinhos nas degustações ficaram meio parecidos e fechados numa roda aromatica um tanto quanto que previsivel e algumas vezes monótona. Por isso quero sugerir aqui que deixemos por alguns momentos esse "ersatz" de poesia e juntamos o modo imaginoso que um vinhateiro fala de seu vinho ao jeito simples e direto das mensagens que o vinho nos manda quando o colocamos na boca querendo dizer simplesmente o que ele é.

Atento para alguns destes detalhes, vamos a nossa degustação didática usando o método que proponho como segue:

Nosso primeiro vinho é forte, pega na boca e sentimos a garganta. É como um adolescente turbulento e desengonçado, entretanto um garoto selvagem, timido, com uma ternura esquisita. Vai muito bem com carnes de caça e pratos mais gordurosos.

O seguinte é bastante claro. O lado feminino da moeda: fino, elegante, sensual, feminino. Reviro os olhos imaginando garotas nuas em pelo e em flor. Um vinho feminino, uma mulher.

Não é uma maluquice falar assim, ouçam o vinho.

O próximo é mais simples, uma sofisticação férrea e sexo fortuito. Uma sedução frívola.

Esses vinhos são como se fossem de sexos diferentes. Seus solos e técnicas de plantio são iguais ao lado um do outro, entretanto os vinhos são completamente diferentes entre sí.

Nossa degustação segue em uma outra oportunidade para vinhos do porto e rosés se a censura e o horário assim permitirem.

Vale a pena experimentar