Série Encontros Inusitados: Lord Nelson


Foi difícil deixar Portugal, mas a curiosidade de rever Mrs Fleming McTarry pessoalmente e passar a virada do ano olhando o Big Ben foram mais fortes. Então, após uma semana bem vivida, me despedi de Portugal e embarquei no Eurostar cheio de nostalgia. Achei uma brincadeira de mau gosto ao chegar à fatídica ilha e deparar com uma estação chamada Waterloo. O deboche não combina com a ironia refinada atribuída aos ingleses. E certamente as qualidades aristocráticas dos súditos da realeza não estavam presentes quando Napoleão Bonaparte perdeu a guerra no campo de batalha de Waterloo, a julgar pela piada sobre a posição indecorosa. Sem nenhum decoro, meus pés pisaram em Londres, e pisotearam a memória do imperador francês.

Precisava me instalar na casa de Mrs. Fleming o mais rápido possível, pois o reveillon estava próximo e não queria perder a “virada” na Trafalgar Square.

A julgar pela pontualidade britânica, nenhum lugar mais preciso para acompanhar a passagem do ano do que com os olhos no Big Ben. Fui recebido pela minha anfitriã – hoje, esposa de Ian Fleming, um escritor de romances policiais sem muito destaque - com uma xícara de chá na mão. "Aqui se bebe chá preto com um pouco de leite", ensinou-me Ms. Fleming, instilando em mim o desejo de conhecer mais sobre a bebida. Podem criticá-los à vontade, mas reconheço a arte inglesa de se apropriar do prazer alheio e apreciá- lo como ninguém. É uma herança imperialista que lhes confere uma aura de elegância impagável. Produzem um vinho de qualidade sofrível, mas degustam melhor do que qualquer outro povo os Grands Crus Classés de seu vizinho. E qual é a primeira pessoa que vem a mente ao se pensar em puros habanos? O primeiro-ministro Winston Churchill. Apreciador de champagne, talvez ele tenha parafraseado o imperador Napoleão Bonaparte inúmeras vezes durante o desarrolhar da Segunda Guerra Mundial: "Nas vitórias é merecido, nas derrotas, necessário".

Após mais alguns minutos de conversa com Ms. Fleming, parti para a Trafalgar em um clássico táxi preto. No percurso, constatei que havia me esquecido de um detalhe fundamental. Uma garrafa de champagne seria indispensável para a comemoração.

Lembrei-me de ter visto uma loja de bebidas na estação de Waterloo e segui para lá. Tive a sorte de encontrar uma meia garrafa de "Moët & Chandon Brut Imperial". A ironia me acertou em cheio. Apesar de estar em "Waterloo", eu segurava em minhas mãos um tesouro francês. Era uma pequena vitória sobre a arrogância inglesa. Fui para a Trafalgar sorrindo de contentamento. Milhares de pessoas preenchiam as ruas em torno da praça.

Aguardavam a meia-noite com garrafas de cerveja. Escondi minha pequena champagne no casaco e esperei os fogos de artifício. Achei estranho quando recebi "Happy New Year" de dezenas de pessoas. Apenas uma pequena luz vermelha atravessou o céu turvo. Só percebi que ainda estava no século XXI quando olhei no relógio de pulso. Que decepção! Percebi alguém no pináculo central da praça sorrindo para mim.
Era Lord Nelson, o almirante inglês que "derrotou" Napoleão. Nunca o ditado: "Quem ri por último, ri melhor", tinha feito tanto sentido pra mim até aquele momento.

Abri o champagne ao som da "Sinfonia Nº3", de Beethoven em minha mente.

3 comentários:

Anônimo disse...

O pior de olhar para um relógio em pleno sec. XXI, é perceber que tem uma garrafa de champagne carésima e vai tomá-la sozinho! Já que os outros tantos preferem cerveja...


bjs

Hugo de Oliveira disse...

Hum...queria um pouco dessa champagne....abraços


Hugo

Chico Soares disse...

Descobri porque voce nao usa relogio !!!!rs

Vale a pena experimentar