Série Encontros Inusitados: Pessoa


Recomposto da ameaça de Irache, decido por encerrado meu expediente de Indiana Jones tupiniquim em direção a Santiago de Compostela quando encontro dois portugueses na volta para Paris, Senhor Ramos, que me convenceu a viajar de carro para Portugal ao invés de usar o trem. Ele dirigiria um trailler gigantesco com três camas, que deixaria em sua terra natal, e eu o seguiria em um mini , acompanhado por Tavares, um intelectual que não sabia dirigir e adorava divagar sobre os poemas de Fernando Pessoa e, o mais importante: “pagaria as despesas”.

Após uma noite de insônia, parti para Portugal. Cruzamos Bordeaux com apenas uma parada para o almoço (não, eu não tomei vinho), e atravessamos a Espanha. Ramos quis parar para dormir. Eu estava exausto, mas Tavares me convenceu a prosseguir a viagem "Boa é a vida, melhor é o vinho" (Fernando Pessoa), com a condição de que descansaríamos no carro assim que cruzássemos a fronteira. Quando chegamos a Portugal, eu já era íntimo de Fernando Pessoa e tinha sentado no divã com todos os seus heterônimos. Quase não chegamos à aldeia. Acordei com Tavares dormindo e o carro em direção a um despenhadeiro. Consegui evitar o acidente saltando sobre o volante e patinando na pista. "O que aconteceu?", Tavares acordou assustado. "Você baixou o freio de mão. Quase morremos", respondi irritado. "Que a morte me desmembre em outro, e eu fique/ Ou o nada do nada ou o de tudo/ E acabo enfim esta consciência oca/ Que de existir me resta". Ignorei os outros versos de "Temor da Morte" (Quarto Tema), que Tavares recitou antes de adormecer.

Aromas de grama molhada, toques animais e notas de tostado prenunciaram a chegada na pequena aldeia. E despertaram Tavares. As casas eram simples e encantadoras. As pessoas tinham doçura no olhar. "Aqui, todo mundo é parente da vidente de Fátima. Mas minha esposa é a única pessoa que pode visitá-la no hospital, além do papa e do bispo", confidenciou-me Tavares. Por mais fascinante que a história pudesse ser naquele momento eu só queria uma cama bem arrumada. Somente no dia seguinte tive forças para visitar Fátima, junto com Ramos, que havia se reunido a nós. Apenas uma única árvore lembrava o bosque original onde Lúcia e seus colegas receberam os três segredos da mãe de Cristo. O resto estava soterrado em várias camadas de concreto. Dizem que quando as pessoas se reúnem para uma refeição, Jesus Cristo está entre elas. Deixei Fátima para encontrar seu filho em uma mesa rústica de madeira, na casa de Tavares, com uma deliciosa "Chanfana" (guisado com carne de cabra e vinho), preparada por sua esposa. Após a refeição e alguns copos de vinho "da casa", Tavares me olhou, esboçou um sorriso e disse: "Segundo Fernando Pessoa, ´Boa é a vida, melhor é o vinho´. Quero abrir uma garrafa especial para comemorar a sua presença".

A mesa estava repleta de doces conventuais e o aroma adocicado de ovos e baunilha inundavam a casa. "Muito melhor do que uma tábua de queijos fedorentos. Você não acha?", provocou Ramos. Mal pude acreditar quando Tavares voltou com uma garrafa de Porto e outro Madeira. Enquanto apreciava na pequena taça de cristal, perdi a revelação inédita do Terceiro Segredo de Fátima - na época, a Igreja Católica ainda não o tinha anunciado -, e piadas sobre os vinhos franceses de Sauternes. Degustei o vinho gota a gota, como um prêmio após quase vinte e quatro horas de estrada e um triunfo sobre a morte. Quando voltei a mim, percebi o desconsolo no rosto de Ramos. "O que houve?", indaguei suspeitando de que ele não tivesse apreciado a bebida, apesar de estar com a taça vazia nas mãos. "Oras, pois... esquecemos a melhor parte: O brinde !"

4 comentários:

Ana disse...

Parece q vc se perdeu ou na piada ou na historia - rs

Larose disse...

....pois devia ter vindo ao Norte ....... para mim Portugal tem tudo do melhor, só nós é que não nos sabemos valorizar!

Chico Soares disse...

Se for por falta de Brinde! SAUDE!!!

Andre Martin disse...

Ah, desculpe, não dá pra acreditar nesta história! Passar pela região de Bordeaux e NÃO tomar o vinho dali???? Isto seria quase uma heresia (senão uma ofensa) para os franceses e/ou quase toda a população local! rsss

Vale a pena experimentar