Série Encontros Inusitados: (Re)encontro


Mrs Elizabeth Fleming McTarry, ou “M”, como ela mesmo assinava suas correspondências, havia me indicado um restaurante nos arredores de Londres onde havia uma confraria com degustações semanais e ofereceu seu carro para que eu fosse em seu lugar já que no dia do evento seu marido Ian ia ler para um publico seleto de editores e escritores um capítulo do seu novo livro: Cassino Royale.
Ao chegar, tomei meu lugar no restaurante onde participaria de uma degustação às cegas e não pude deixar de notar um inglês de perfil aquilino, alto, magro que sentara ao meu lado que sem preâmbulos me disse: Preciso de sua ajuda, não entendo absolutamente nada de vinhos apesar de ter acurada percepção olfativa. Nunca estive em uma prova de vinhos antes.

Éramos cinco. Depois de recebidas as fichas de avaliação começamos o ritual em profundo silêncio e concentração. Após as provas, vieram as considerações, uma a uma:

O primeiro, um francês, afirmou que o primeiro vinho era um Malbec da região de Cotes-du-Rhône da safra de 1997 com mais concentração tânica que o normal. O segundo ele considerou ser um Cabernet Sauvignon da região do Languedoc da safra de 1999 com talvez um corte de Shiraz, o terceiro vinho um assemblage de Vannières 1995. O quarto vinho era sem dúvida um Cabernet Franc e o quinto um Bordeaux com aromas de mofo.

O segundo A. Doyle, concordou que quinto vinho era um Bordeaux de baixa qualidade e que derveria ser evitado. Quanto ao assemblage, discordava, era Domainde d´Ott e não um Vannières. O primeiro vinho seria um Ventoux de safra medíocre e o segundo um Hermitage esplendido de 98.

O terceiro outro francês decepcionou a todos dizendo que eram apenas tintos simples de mesa.

Paramos para um típico "coffie brequê" , quando na volta meu colega inglês tomou a palavra e disse:

" O primeiro vinho, vinho de maciez admirável, boa concentração de tâninos de qualidade, aromas mentolados com toques de ervas é um Merlot. O Segundo é um assemblage com prováveis 65% de Shiraz em sua composição adicionados aos 15% de Crenache, 10% de Carignan e 10% de Cabernet Sauvignon. O terceiro vinho é experimental da uva Syraz feito sob microvinificação sem aromas definidos ainda, bastante jovem. Finalmente o quarto vinho é um Carbert Sauvignon de 1990, Cinsault, muito bem elaborado e de ótimo acabamento. O quinto vinho é realmente um Bordeaux ordinário.

Com exceção do Bordeaux todos são de Languedoc, Village Saint-Efigênia, produzidos por M Blackwood, nosso companheiro aqui presente."

Entusiasmados, aplaudimos de pé.

Dando uma carona pra ele no carro de Ms Fleming, depois de meus incansáveis apelos ele explicou: Quando percebi que Blackwood era um produtor, aproveitei o intervalo e acessei via o site da vinícola. Como ele só tinha quatro vinhos eu deduzi que um dos vinhos não era dele e como ninguém é estúpido de levar um vinho melhor que os seus, só podia ser o Bordeaux que os outros degustadores haviam identificado ao notar o aroma de mofo. Depois disto, usando as fichas técnicas, foi fácil identificar os quatro pelos aromas, que como você sabe é minha especialidade.

Você disse que pelas unhas, pelos dedos, pela roupa e pelo sotaque, consegue identificar uma pessoa, mas Blackwood é um homem de mãos finas, sotaque parisiense, ruivo e alto, bem típico do norte da França. Como é que você descobriu que ele era um produtor?

“Elementar meu caro, ele era o único que parecia não entender de vinho"

E assim me despedi dele, deixando-o em frente a sua casa no 221 da Baker Street, nunca mais vi meu amigo Sherlock Holmes.

4 comentários:

Chico Soares disse...

Esta sendo, particularmente pra mim e tenho certeza pra todos da nossa confraria que há quase 15 anos lemos estas histórias em um pequeno jornal de vinho, um prazer reler estas crônicas.

Ficamos surpresos quando um jovem decidiu se misturar a sérios senhores e mais surpresos ainda quando lemos esta sua primeira história que timidamente nos mostrou como material pro jornal e que se seguiu de outras tantas que você está publicando com uma roupa diferente mas que não perdeu o seu típico fio de humor. Ainda guardo meio amarelado todas as edições do nosso tabloide com suas histórias e aventuras e os vinhos que bravamente brigávamos pra comprar.

Parabéns e essa do Holmes continua sendo minha preferida.

Ana disse...

Sou fã ! Dos dois: Voce e Holme ;)

Anônimo disse...

Eu estava desconfiada... voce voltou com o Holmes, sem dúvida, uma das melhores! :)

bjs

Andre Martin disse...

Curioso como isto soa como "deja vu"...

Eu fiquei meio perdido no tempo... E acho que o Sherlock mais ainda na hora do coffee-break! KKKKK

Mas esta história é uma de suas melhores!!!!!!

Vale a pena experimentar