A adega mais antiga da familia

Depois do almoço do meu terceiro dia dos pais, sozinho ao pé de uma jaboticabeira, acabei por lembrar de um episodio na casa de uma tia, Josefa, 83 anos. Enquanto passava um café, ela contava suas últimas novidades. Cresci ouvindo sua voz e me lembro até hoje de suas histórias. Diferentemente dos demais, ela nunca tinha conversado comigo sobre vinho. Percebi quando ela mudou o tom de voz. Ficou em silêncio por alguns segundos antes de prosseguir. “Você poderia ver os meus vinhos?”, questionou- me. Assenti com a cabeça. Ela saiu e voltou com uma chave. Enorme e enferrujada. Abriu um armário com motivos rococó no canto da sala. Estiquei o pescoço. Dezenas de garrafas “em pé”. O estado da maioria dos rótulos denunciava a idade avançada. Senti calafrio ao ver, de relance, um exemplar do vinho alemão da garrafa azul. Ela me olhou, ansiosa para ouvir meus comentários...

“Nenhum vinho presta, tia. Todos estão bons apenas para temperar uma salada de folhas verdes. Viraram vinagre”, vaticinei friamente. “Pensei que vinho fosse como ouro, melhorasse com o tempo”, respondeu aquela velhinha que parecia sair de um conto de fadas. Voz triste. “Esse aqui, eu ganhei do seus pais”, disse-me com o dedo indicador apontando um vinho mais ao fundo. E com os olhos no passado. “Esse aqui é de 1959”, mostrou- me uma garrafa de espumante Cinzano. “Método Charmat” estampado no rótulo. Percebi que o tesouro de minha tia não era a adega – que ela pretendia colocar no testamento até aquele momento –, mas as histórias guardadas naquelas garrafas. A tia Josefa ou Vó Zefa como meu filho a chama, revelou-se a personificação do verdadeiro espírito do vinho: simbolizar histórias com alma.

Histórias com vida.

Um comentário:

Anônimo disse...

Num é que é, mesmo?
Eu lembro do meu avô abrindo vinho barato nas grandes reuniões de familia. Ela mesma pobre. E minha outra avó fazendo "sangria" para as crianças.Não me lembro da marca de nenhum deles, mas eu lembro do gosto da sangria doce, da bagunça das crianças, da risada do meu avô.
O vinho... só acompanhava essa festa.

beijocas

Vale a pena experimentar