A Divina Comédia do Vinho


Esta tarde, eu me servi dos últimos goles de uma garrafa que tinha sido aberto no início da semana, e me dirigi para o quintal de casa para relaxar um pouco. Acho que não dormi bem na noite anterior, porque depois de alguns goles e alguns momentos no sol, meus olhos ficaram pesados, e as pálpebras caíram.

Acordei assustado, atordoado e encontrei-me sozinho em uma planície de concreto cinza como uma estrada infinita. Alarmado, eu engoliu o que restava do meu vinho morno, presumivelmente aquecido pelo sol que agora parecia recuar alto, além de um véu de neblina.

Eu esfreguei os olhos. Estava em um local enorme e vazio, cercado por prédios construidos em ângulos loucos e que se perdiam em um firmamento granulado.

Quando finalmente consegui recuperar melhor a visão me aterrorizei diante da sombra de um enorme supermercado ,muito maior do que qualquer coisa que poderia ter imaginado um dia. Deserto, como a estrada que eu me encontrava, eu conseguia sem esforço algum ler “PAE VIBA: Pao de Acucar Extra Vinho Barato” , estampada com letras de quatro andares proclamando “ Sempre preços baixos. Sempre. " . A curiosidade se sobrepos ao medo. Meus passos ecoavam secos contra o concreto enquanto eu me aproximava das portas.

Em pé ao lado da entrada, eu o vi. Ele tinha escapado a meus olhos errantes , estava vestido com roupas medievais cinza e usava um colete azul enfeitado com botões diferentes de todas as formas e tamanhos, que proclamavam provérbios como "Vida é Cabernet, "e" Vinho, é o melhor presente de Deus ", também tinha um crachá, repleto de carinhas amarelas e sorridentes: Dante Alligueri.

“Não sei como eu vim parar neste lugar.".

"Bom... acho que sei exatamente o que sente. No nosso utlimo encontro na Santa Croce voce me recepcionou depois de uma sensacao muito semelhante”

“Entao...aqui e o paraiso?”

“Nao meu amigo , na verdade," ele respondeu, " fui convocado para acompanhá-lo em um caminho que, sozinho, você não ousaria ir. Um poeta era eu, mas também um amante dos frutos da videira, e agora eu presto testemunho para toda a eternidade aos crimes cometidos contra a vida do que chamamos de vinho ".

E enquanto ele falava a palavra "crimes", seus olhos escuros brilharam debaixo do tapete grosso de seus cabelos negros, e eu estremeci, como se um vento frio tivesse entrado por dentro da minha espinha.

"Poeta", eu disse: "Eu espero que você não esteja aqui para me punir por transgressões que eu fiz. Eu tentei amar e aprender sempre mais sobre vinho com o coração e mente abertos, mas estou certo de ter ironizado, feito piada muitas vezes de degustadores profissionais e livros e críticos de vinho. "

"Eu não leio o que você escreve", disse ele, e se virou para entrar no prédio, convidando-me a seguir.

Dentro do edifício, vi que não estava tão deserto como eu pensava, mas povoada de aparições usando máscaras, movendo-se com entusiasmo pelos corredores. Alguns empurrando carrinhos de supermercado com grandes jarros de Sangue de Boi, Chapinha e espumantes de sidra. Outros trabalhavam, quase aleijado com pilhas de caixas pesadas que pareciam a Frigidaire que minha mãe tinha. De seus lábios saiam sons de choro e tormento, gritos de aflição, e ranger de dentes que sumiam perto das vestes cinzentas do meu guia.

"Dante, quem são essas almas miseráveis presas aqui e ali, Vão ficar interminavelmente em tormento?" Eu perguntei.

"Este mar de miseráveis almas infelizes são aqueles que viveram sem o conhecimento do vinho, nem por curiosidade procuraram beber mais de um tipo de vinho;. Outros apenas bebiam sem saber e esnobavam vinhos que eram colocados em caixas ou galões. Eles são os infelizes que nunca se importaram com a qualidade do vinho, bebendo-os por esnobismo.Nem para elevar-se em apreciação bebiam o vinho. " Ele caminhou pela construção.

"Mas o que os deixa em tão amargo lamento?" Perguntei seguindo-o.

"Talvez em seu confinamento infinito, eles percebam que poderiam viver o paraíso se fossem curiosos na exploração do que o mundo tinha para oferecer", disse ele, voltando-se para mim assim que chegamos a uma grande porta preta na parte de trás do enorme espaço. "Não se preocupe com este purgatório. Há pouco a aprender aqui, e você não vai compartilhar deste espaco em seu destino. O que você precisa saber está por trás dessa porta." E com essas palavras ele empurrou a pesada porta apesar da advertência inscrita no concreto que dizia: "Percam a esperança, todos vós que entrais aqui", eu o segui mesmo assim.

O espaço que entramos era negro como a noite mais negra que uma sólida escuridão., ou seja, estava escuro “para caramba”. O Terror me dominou, mas por poucos segundos ate que uma lâmpada brilhando palidamente, criando uma poça de luz veio em nossa direção revelando então um homem barbudo com um manto simples ao lado de uma escada rolante cantarolando baixinho uma musica do Tom Jobim .

Antes que eu pudesse deduzir a natureza dessa figura, ele chamou a nossa atenção, gritando "Ai de vós, os ímpios! Espero que não nunca vejam o paraíso, por seus pecados contra o vinho.Trazê-lo para mim, e as profundezas de sede e agonia esperam por vocês cá embaixo. " Ele apontou para a escada rolante, em direção ao brilho vermelho que se apoderou das escadas de metal tranquilamente formando uma cascata. Entrei encolhido logo atrás do Poeta, me perguntando se eu tinha vindo de tão longe para ser abatido por algum barril de vinho ou ter um destino tão terrível quanto os outros que acabei de ver.

"Não nos aborde, Dom Perignon", disse meu guia para o monge funebre", que apenas exigimos a passagem através dos níveis mais baixos. Trago comigo o Blogueiro".

Com isso, o monge deixou o olhar cair sobre mim, seus olhos ardentes e brilhantes, ele acenou com a cabeça mostrando favorável, recuando sob o ferro retorcido e chama bruxuleante de sua lamparina da rua, murmurando o que soou como "Bolhas, bolhas, bolhas de mais ...que droga é essa de blogueiro..."

A escada rolante nos levou para baixo lentamente, fora da escuridão do espaço negro, longe da memória dos corredores terríveis do supermercado, e para baixo através de uma série de níveis de uma extensão tão ampla que eu não conseguia ver um fina.Cada um povoado com vistas horríveis e medonhas.

O primeiro nível consistiu em um infinito mar de barris de vinho, cada um arranjado matematicamente ao lado do outro. Em cada barril estava um homem ou mulher, que em uma mão segurava o lixo (frutas podres, cd pirata, coca-cola) e com a outra derramava na boca aberta de uma pessoa próxima um liquido espumante hora negro hora vermelho que parecia nunca acabar. Assim fez cada uma das criaturas. Aqueles que se afastavam ou derramavam seus vinhos feitos de cerveja ou coca-cola eram submetidos a chibatadas dos guardas que desciam do ar acima de suas asas de pele semelhante a couro vermelho.

"São estes os enólogos de cooler e vinho misturado com cerveja?" Perguntei Dante.

"Na verdade, são aqueles que na sua ignorância, insensatez ou ganancia , “procuraram" melhorar "os seus vinhos não com madeira ou o passar do tempo, mas com a adição de aromas, sucos, resinas e outras substâncias não-naturais."

Pensei em perguntar para o Poeta sobre as lascas de madeira, mas já estávamos passando para o próximo nível, e ao vê-lo faltou-me a respiração.


6 comentários:

Ana disse...

Muito legal esse "reencontro inusitado" com Dante. Adorei a primeira historia e essa agora promete bastente. Estou ansiosa pela continuação.

Andre Sanches disse...

Cara, queria saber o que voce bebe quando escreve - rs

Anônimo disse...

Apesar de ter achado o titulo um pouco pretencioso tenho que admitir que realmente você sabe contar uma história.

Anônimo disse...

Il semble que vous soyez un expert dans ce domaine, vos remarques sont tres interessantes, merci.

- Daniel

Margareth disse...

Il est vraiment très bien

Margareth Damacena disse...

Encontrei seu blog no google e não consigo parar ler. Sempre gostei de vinhos, mas agora que trabalho em uma adega tenho que conhecer e entende-los também.

Vale a pena experimentar